quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Debate - Confusão Verde

Rede Brasil Atual    -    O título é do blogueiro.


Rio de Janeiro – Há no PV quem acredite firmemente na possibilidade de Marina Silva ultrapassar o tucano José Serra e provocar um segundo turno contra a petista Dilma Rousseff nas eleições presidenciais. Essa ala otimista do partido ganhou uma injeção extra de ânimo nesta quinta-feira (26), quando um dos maiores ícones vivos da esquerda e do pensamento libertário mundial, o francês Daniel Cohn-Bendit, esteve no Rio de Janeiro para manifestar seu apoio à Marina e também ao candidato do PV ao governo estadual, Fernando Gabeira. A aliança da legenda com o DEM foi, no entanto, motivo de questionamento e ironia por parte do visitante.

No momento mais descontraído da palestra, Cohn-Bendit respondeu a um simpatizante do PV que questionou sobre a avaliação do francês a respeito da aliança feita por Gabeira com o DEM do ex-prefeito Cesar Maia. “Eu defendo o meio ambiente, mas o PV se aliou ao que tem de pior neste país e a quem não tem nada a ver com o processo democrático e a luta ecológica", atacou. "Eu os chamo de demônios. Em que medida essa companhia demoníaca pode prejudicar a imagem do PV?”, indagou o militante, para riso de muitos e constrangimento de alguns.
 
Em sua resposta, o francês também foi bem-humorado. “Preciso confessar uma coisa: se você tentar explicar a política brasileira na Europa, vai se dar mal. Se observarmos todos os partidos que compõem a coligação de Dilma (Rousseff) ou a coligação de (José) Serra, também não dá para entender muita coisa", constatou. Para ele, trata-se de uma certa "irracionalidade" do sistema eleitoral brasileiro.
"Não me cabe julgar se a coligação aqui no Rio é boa, apesar de eu saber que Alfredo (Sirkis) era contra e Fernando (Gabeira) a favor. Para mim, seria um problema se esse apoio significasse o abandono do programa ecológico do PV. Não interessa de onde as pessoas vieram, mas sim aonde elas querem nos acompanhar", concluiu.

Conhecido quando jovem como Dani le Rouge (Dani, o Vermelho), Cohn-Bendit foi o principal líder estudantil do histórico movimento protagonizado pelos jovens franceses em maio de 1968. Considerado pela agência de inteligências dos Estados Unidos (CIA) como um dos maiores “inimigos do capitalismo”, devido a seu poder de comunicação com a massa, o francês continuou na vida política e se tornou um dos pioneiros da militância ecológica na Europa. Hoje deputado pelos Verdes da França, Cohn-Bendit é o líder da bancada verde no Parlamento Europeu.

Durante a palestra organizada pelo PV em um teatro do Leblon, o francês declarou seu apoio à Marina, falou de suas “decepções” com o governo Lula e disse que “Dilma e Serra são a mesma coisa”. Um dos criadores do slogan “É Proibido Proibir”, usado pelos estudantes em Maio de 1968, Cohn-Bendit falou também sobre liberdade de expressão, além de analisar o andamento das discussões sobre as mudanças climáticas e atuação de algumas correntes do movimento ambientalista na Europa.

"Seja na Europa, nos Estados Unidos ou no Brasil, nós temos todos exatamente o mesmo problema", propôs no debate. "A ideologia política tradicional, seja de direita ou de esquerda, é uma ideologia produtivista, que acredita que o bem-estar reside em ter cada vez mais coisas e cada vez mais rápido. Essa mentalidade nos levou a uma catástrofe econômica e ao atual estado de degradação climática, que toca muito mais aos pobres que aos ricos", criticou.

Para ele, a grande dificuldade política para os ecologistas seria saber como persuadir a sociedade de que a "mudança de paradigma" passa pela "transformação ecológica da economia”. Isso significa elimiar a oposição entre proteção ao meio ambiente e desenvolvimento econômico.

“O discurso que opõe a ecologia à economia é um discurso idiota, porque a ecologia é uma maneira de pensar e agir que transforma a economia. Não existe solução estrutural para a degradação climática sem que ocorra uma reforma profunda da estrutura da economia. Além disso, as transformações ecológicas podem criar milhões e milhões de empregos”, defendeu.

Mesma coisa

Dando sequência ao seu raciocínio, o agora Dani le Vert (Dani, o Verde), como foi apresentado pelo presidente regional do PV, Alfredo Sirkis, afirmou que a verdadeira luta política passa hoje pela transformação ecológica. Ele considera que o único debate real colocado atualmente é dado entre a social-democracia e a emergência dos verdes.

"A social-democracia tem muitas faces, pode ser Tony Blair na Inglaterra, pode ser Martine Aubry na França ou os social-democratas da Alemanha. É tudo mais ou menos a mesma coisa. E eu francamente acredito que Serra e Dilma são também a mesma coisa. Existem diferenças entre os dois, é claro, mas, fundamentalmente, em sua estrutura e modo de pensar a economia, são a mesma coisa. A verdadeira alternativa são as proposições da ecologia política, representadas nas eleições presidenciais do Brasil pela Marina”, disse.

Após declarar seu apoio à candidata do PV, Cohn-Bendit falou de suas “decepções” com a política externa do governo Lula. “O que me espanta na política de Lula não é ele querer que o Brasil assuma, ao lado da Turquia, a mediação com o Irã. Este é o papel de um chefe de Estado. O que me espanta na política de Lula são os sinais de cumplicidade que ele apresenta com (o presidente do Irã, Mahmoud) Ahmadinejad. É o pensamento simplista que diz que os inimigos dos meus inimigos são meus amigos. Isso acontece também em relação a (Hugo) Chávez e a (Fidel) Castro”.

Ainda na seara de críticas ao governo do PT, Cohn-Bendit acusou problemas relacionados à liberdade de expressão. “Fiquei chocado ao saber que Lula comparou os presos políticos de Cuba, que foram presos por suas opiniões políticas, a traficantes de drogas. A liberdade de expressão é a única maneira de fazer avançar o debate político, seja no Irã, em Cuba ou nos Estados Unidos. O mundo precisa se apoiar de um lado na transformação ecológica e de outro no respeito à liberdade e aos direitos humanos”, disse.

Clima

Daniel Cohn-Bendit defendeu ainda a mudança da posição do governo do Brasil em relação às discussões sobre o aquecimento global. “Copenhague foi uma catástrofe porque ainda hoje a consciência da responsabilidade coletiva não é um princípio que seja compartilhado por todos os governos”, disse. Ele referiu-se à mais recente reunião de cúpula da ONU sobre o clima, ocorrida ano passado na Dinamarca. "É preciso aceitarmos que estamos todos na mesma aventura”, defendeu.

“Quando países como o Brasil, ou mesmo a China, dizem à Europa, ao Japão e aos Estados Unidos que eles são os responsáveis pela situação atual de degradação climática, eles têm razão. É verdade que foi a ideologia capitalista produtivista dos países desenvolvidos que criou essa situação. Esse argumento foi usado por Lula em Copenhague. Mas – e é este o problema –, se nós estamos falando de responsabilidade coletiva e se os países que emergem economicamente como Brasil, Índia e, ainda mas fortemente, a China, trilham a mesma via seguida pelos países desenvolvidos há 30, 40 anos, toda a redução de CO2 dos países europeus e dos EUA não servirá de nada", criticou.

Ecossocialismo

O francês falou sobre a diversidade ideológica do movimento ecológico na Europa e fez um alerta: "Existem tendências no movimento ecológico que querem se livrar da democracia". Assim, ele criticou correntes que assumem uma postura de dizer que não há outra saída. "Apontar uma saída única foi o erro de (Karl) Marx, que possibilitou o surgimento do autoritarismo", avaliou.

"O grande desafio para o movimento ecológico é adotar políticas que impulsionem a democracia. Como realizar a transformação pela e com a democracia. Hoje em dia, o pensamento ecológico ainda é minoritário. Então, é preciso ver como avançar e influenciar sabendo que é preciso conquistar ainda mais espaço na sociedade”.

Cohn-Bendit também falou sobre a coligação de partidos verdes europeus que comanda no parlamento em Bruxelas e sobre o movimento ecossocialista, também muito forte no Velho Continente. A coligação "Europa Ecológica" foi formada há dois anos, exigindo a convivência entre "ecossocialista" e "ecoliberal".

"O problema é saber o que a gente consegue junto e porque é importante termos essa coligação. Se concordamos que é verdadeira a urgência em transformar a economia, é preciso que os ecossocialistas, ecoliberais e ecos-não-sei-o-que sejam capazes de definir objetivos comuns", conclamou. "Por mais que às vezes eu desconfie, temos objetivos comuns e acredito que possamos atuar juntos", prosseguiu.

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