Do Blog da Raquel Rolnik
Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP
04/11/11 por raquelrolnik
Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre
a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana
passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas
reagiram. Além de mim, estavam na mesa o professor Alexandre
Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de
ocupação da Reitoria.
Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que
estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco
abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos
decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos
da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou
não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do
campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da
universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus
processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia
da carreira acadêmica.
Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de
expressar e representar os distintos segmentos que compõem a
universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências
sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se
contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática,
compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da
gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se
democratizou.
Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si.
É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que
presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo
urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de
ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais
inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios,
sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias
horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do
Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi
devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da
segurança tem muito a ver com a equação urbanística.
Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus.
Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da
cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a
resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte
da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias,
não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à
noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a
polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM
no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de
comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos
discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na
cidade toda pode? Que PM é essa?
Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.
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