Do Tijolaço
Em seu “Memórias do Cárcere”, Graciliano Ramos, falando sobre a censura no Estado Novo, diz que o sumiço da literatura não se devia apenas à censura.
Em seu “Memórias do Cárcere”, Graciliano Ramos, falando sobre a censura no Estado Novo, diz que o sumiço da literatura não se devia apenas à censura.
“Liberdade completa, ninguém desfruta: começamos oprimidos pela
sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e
Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a
lei, ainda nos podemos mexer”
E conclui: “Não caluniemos o nosso pequenino fascismo tupinambá: se o
fizermos, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos
verazes, ninguém nos dará crédito. De fato ele não nos impediu
escrever. Apenas nos suprimiu o desejo de entregar-nos a esse
exercício”
Penso que o comportamento da mídia, neste caso da Chevron, lembra
muito esta situação. A postura servil e idólatra da imprensa, que
atribui perfeição divina às grandes empresas internacionais e crê que as
estatais brasileiras são apenas um amontoado de arranjos políticos não
está apenas entre seus donos, mas espalhou-se por muitos de seus
profissionais, sobretudo entre os ditos “investigativos” que, neste caso
da Chevron, ficaram inertes e passivos diante do acidente.
Aliás, diga-se, continuam passivos, pois não se vê sequer uma
tentativa de aprofundar a apuração do que aconteceu e uma aceitação
preguiçosa dos “desvios” que se tenta fazer sobre a possíveis – e,
certamente, existentes - falhas nos sistemas de reação aos acidentes
na exploração marítima, em lugar de verificar porque o poço vazou.
Esse é assunto para o próximo post. Mas fica que descobrir e
reconhecer o erro, em qualquer atividade, é uma atitude essencial de
honestidade a que profissional algum pode se furtar.
Da mesma forma, não pode, independente das divergências políticas,
deixar de reconhecer a autocrítica quando ela é feita sem subterfúgios
ou falsas razões.
Por isso, depois deste enfadonho preâmbulo a que submeti você, leitor/leitora, transcrevo o artigo da ombusman da Folha, Suzana Singer, de onde retirei o título do post. Como ele está restrito aos assinantes do jornal, optei por reproduzi-lo aqui, mesmo correndo o risco de cair na máxima do D. Quixote, que, com propriedade, de diz que louvor em boca própria é vitupério.
Quando se reconhece o erro – e quando, sobretudo, corrige-se a
atitude incorreta – isso deve ser registrado. Nós, que criticamos o
comportamento da grande mídia, não devemos, como é frequente que ela o
faça, caluniá-la. Se o fizermos, como escreveu Graciliano, perderemos
qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos
dará crédito.
Ombudsman
A grande imprensa foi passiva e demorou a
perceber a gravidade do vazamento da Chevron
Suzana Singer
O óleo subiu… e a gente não viu
Na cobertura do acidente ecológico na bacia de Campos (RJ), a
mídia tradicional tomou um olé da blogosfera. A chamada “grande
imprensa” demorou a entender a gravidade do que estava acontecendo,
reproduziu passivamente a versão oficial e não fez apuração própria.
O vazamento ocorreu na segunda-feira, dia 7 de novembro, quando a
pressão do óleo provocou uma ruptura do revestimento do poço. O
líquido começou a subir pela coluna de perfuração e vazou também pelas
fissuras do solo marinho.
A mancha de óleo foi vista no dia seguinte por petroleiros.
Acionada, a norte-americana Chevron informou as autoridades, na
quarta-feira, de que o vazamento acontecia em uma de suas plataformas.
No dia seguinte, agências de notícias divulgavam o incidente,
com a porta-voz da Chevron falando em “fenômeno natural” e calculando
um escape pequeno de óleo.
Só “O Globo” deu destaque ao assunto, mas em um texto tão
editorializado que perdia o foco do acidente. O que acontecia no campo
do Frade era só mais uma prova da “necessidade de Estados produtores de
petróleo terem uma fatia maior dos royalties”. A Folha limitou-se a
dar uma pequena nota.
Veio o fim de semana, quando a inércia toma conta das Redações.
“Mercado” publicou no sábado, dia 12, uma capa sobre a queda do lucro da
Petrobras e, no domingo, um imenso infográfico mostrando como
funcionam as sondas de perfuração, sem fazer ligação com a Chevron.
Sobre o acidente, só uma nota registrava que o vazamento aumentara.
Enquanto isso, uma luz amarela tinha acendido na blogosfera. O
assunto circulava nas redes sociais. No dia 10, o geólogo
norte-americano John Amos, 48, da SkyTruth, uma ONG ambientalista que
trabalha com fotos aéreas, divulgou em seu site, no Twitter e no
Facebook, as primeiras imagens da mancha.
O jornalista Fernando Brito, do blog “Tijolaço.com”, já dizia
que a “história estava mal contadíssima”, porque “não é provável que
falhas geológicas capazes de provocar um derramamento no mar deixem de
ser percebidas nos estudos sísmicos que precedem a perfuração”.
No dia 15, a SkyTruth volta à ação e publica mais duas fotos
mostrando que a mancha tinha crescido. “É dez vezes maior do que a
estimativa da Chevron”, aposta Amos.
Instigados pelos blogs, leitores começam a cobrar: “A senhora
acredita que a cobertura está correta?”, “E se fosse a Petrobras?”.
Só com a entrada da Polícia Federal no caso, a Folha e seus
concorrentes começaram a se mexer de fato. O conselho jornalístico
“follow the money” virou no Brasil, por preguiça, “follow the police”.
No dia 17, com o inquérito policial aberto, o assunto finalmente
foi capa de “Mercado” e ganhou um tom cético -pela primeira vez se
aponta possível negligência da empresa. De lá para cá, toda a imprensa
subiu o tom e, numa tentativa de compensar o cochilo inicial, vem
cobrando duramente a Chevron, que admitiu “erros de cálculo”.
Não é mesmo fácil saber o que acontece em alto-mar, mas, um ano e
meio depois da grande tragédia ambiental do golfo do México, é
indesculpável engolir releases divulgados por petrolíferas.
Além de recorrer a ONGs e especialistas, os repórteres poderiam
ter procurado os petroleiros. O sindicato tinha divulgado uma nota no
dia 10. “Os jornais brasileiros foram decepcionantes”, diz C.W.,
funcionário da Petrobras que sentiu o cheiro do vapor de óleo cru,
mesmo estando a cerca de 15 km do local.
Para evitar que seu nome aparecesse, ele pediu à namorada que
avisasse a mídia. Ela escreveu para a Folha e para o “Estado” no dia
11:
“Boa noite, Ainda está vazando óleo na bacia de Campos, o
vazamento já percorreu quilômetros. É necessário averiguar, pois
noticiaram o ocorrido, mas não deram a devida atenção.”
O caso Chevron mostra que faltam jornalistas especializados em
cobrir petróleo, o que é grave num país que tem uma estatal do tamanho
da Petrobras e que pretende ser uma potência da área com a exploração
do pré-sal.
John Amos, da SkyTruth em West Virginia, deixa um alerta: “Se
todos esquecerem rapidamente o acidente, porque o vazamento não foi tão
grande quanto o do México, aí sim será uma tragédia. Essa é uma
oportunidade de questionar a gestão da exploração em águas profundas,
em territórios arriscados. Porque haverá um novo acidente. E vocês
devem estar preparados para isso”.
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