Sugestão de minha filha...
Do Educar para o mundo
Do Educar para o mundo
Tem-se dito pelos que defendem o convênio entre a USP e a PM que não
se pode tratar a Cidade Universitária como algo que está fora da cidade
de São Paulo. A própria reitoria tem feito discursos nesse sentido. E é
verdade: a USP faz parte do território paulistano, paulista e
brasileiro, mesmo sendo uma autarquia. Ter autonomia, afinal, não é o
mesmo que ter soberania.
Agora, se a Cidade Universitária está sujeita a todas as leis
municipais, estaduais e nacionais e deve ser tratada como qualquer outra
parte do território, por que ela se fecha – material e intelectualmente
– ao resto da sociedade? Por que a mesma reitoria que agora afirma a
não-soberania da USP teve o poder, há alguns anos, de vetar a construção
de uma estação de metrô dentro do campus? Por que em uma universidade
pública, financiada pela sociedade, esta mesma não pode usufruir de seus
espaços livremente sem uma carteirinha?
A USP virou uma terra de autonomia seletiva. Na hora em que convém a
determinados interesses, há sim bastante autonomia para afastar a “gente
diferenciada” que viria de metrô para dentro dos muros da universidade.
Mas na hora em que não interessa, a autonomia some e o “campus é parte
da cidade”. O discurso da segurança serve ora para defender o
segregacionismo, ora para defender a integração. Aparentemente estamos
condenados a sermos eternos reféns das “razões de segurança”.
Seria realmente desejável que os que defendem a integração da Cidade
Universitária nesse caso, fizessem-no em tudo mais. Isso porque a Cidade
Universitária não deixará de ser uma “ilha” por causa de um convênio
com a PM. Deixará de sê-lo no dia em que não for hostil aos que “não
possuem carteirinha”. Deixará de sê-lo quando a comunidade São Remo, ao
lado da USP, deixar de ser vista como antro de criminalidade ou fonte de
mão de obra para os serviços terceirizados da universidade; e passar a
ser vista como uma comunidade que detém o direito sobre aquele espaço
assim como qualquer outro cidadão, afinal não é a Cidade Universitária
um espaço como qualquer outro dentro da cidade de São Paulo?
Acima de tudo, a USP deixará de ser uma “ilha” quando realmente for
uma universidade pública, na qual toda a sociedade possa usufruir do seu
espaço e o conhecimento lá produzido não atenda apenas às demandas do
capital privado – o que é legítimo, mas de modo algum suficiente. O
papel da universidade deve superar o Ensino e a Pesquisa. É necessário
que haja Extensão, isto é, que se trave um diálogo horizontal entre o
conhecimento universitário e o restante da sociedade, em um processo que
traga a sociedade para dentro da universidade, e vice-versa, tanto
física quanto intelectualmente.
Mais do que uma questão de espaço e jurisdição, está em debate,
portanto, o caráter público da USP. É preciso desvincular as discussões
recentes de casos pontuais e associá-las a algo muito maior. No limite, a
principal discussão não deve ser o convênio entre USP e PM em si, mas a
maneira como este se deu e como são tomadas todas as decisões
relevantes da política universitária, dentre as quais este convênio é só
mais uma.
Ao contrário do que afirma a reitoria, esse convênio não foi decidido
por uma “ampla maioria”, simplesmente porque nenhuma decisão importante
na USP é tomada de maneira democrática. Novamente reina a autonomia
seletiva: a universidade não está acima da lei quando se trata de
polícia, mas segue desrespeitanto determinações de leis federais, como a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no que tange aos seus
processos deliberativos. Não à toa, a Promotoria de Justiça do
Patrimônio Público e Social da Capital instaurou, nesse ano, um processo
para apurar irregularidades na eleição da reitoria e na disposição dos
assentos dos docentes em órgãos colegiados constituintes do colégio
eleitoral.
Se o convênio USP-PM encontra suas justificativas no factual problema
da segurança, a maneira como ele foi firmado já o invalida por
completo. É a mesma maneira pela qual se permite que processos
administrativos sejam usados como forma de repressão e controle
político. Advêm da mesma estrutura as iniciativas que ilham o Ensino e a
Pesquisa desenvolvidos dentro da USP, na qual os cursos pagos e os
convênios com grandes empresas são as únicas formas de diálogo com a
sociedade.
Recentemente, a Congregação da Faculdade de Direito da USP declarou o
reitor João Grandino Rodas “persona non grata”. Reconhecer os problemas
da gestão Rodas é, sem dúvida, um passo importante. É fundamental,
todavia, entendermos que o reitor que está sob investigação do
Ministério Público encontrou na estrutura da própria universidade as
possibilidades para assim atuar. Mais do que uma “persona non grata”, há
na USP toda uma “estrutura non grata”. E no caso da Cidade
Universitária, além da estrutura decisória, também a estrutura física
precisa ser rearquitetada.
Quando o diálogo não for mais uma promessa vazia e a democracia uma
propaganda enganosa, aí sim a USP poderá deixar seus dias de ilha e
autonomia seletiva para trás. A USP não deve mais ser um enorme terreno
desértico, hostil e sem iluminação; assim como deve se afirmar enquanto
universidade pública à serviço da comunidade. A universidade deve ser
permeável à sociedade em sua totalidade, não só no que diz respeito à
polícia – cuja atuação e estrutura devem ser questionadas dentro e fora
do campus. Só assim, a Cidade Universitária será um lugar muito mais
seguro e, principalmente, muito mais útil à cidade que a abriga e aos
cidadãos que a sustentam.
Leonardo Borges Calderoni e Pedro Ferraracio Charbel são estudantes de Relações Internacionais da USP
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